Das Boas Obras e Virtudes

Não precisando de nada, Deus criou este mundo e o homem somente por seu excesso de bem-aventurança. Deu vida aos homens, adornou-os com sua imagem divina, e forneceu-lhes o livre arbítrio, para torná-los participantes de sua bem-aventurança. Quando as pessoas pecaram, Deus não as repudiou terminantemente com seu justo juízo, mas, com sua infinita misericórdia, foi benevolente ao desviá-las do caminho da perdição, devolvendo-lhes a vida eterna através de seu Único Filho. Com a personificação deste ideal de amor absoluto no Criador e no Salvador, o homem, por sua vez, deve perdoar e amar o seu próximo. Pois, na realidade — todos somos irmãos.

Em quatro parábolas, Jesus Cristo ensina-nos como devemos manifestar o amor às pessoas. Dentre elas estão: a parábola do Credor Incompassivo, do Bom Samaritano, do Rico e Lázaro, e do Mordomo Infiel. Com estas parábolas conclui-se que as obras misericordiosas podem ser muito variadas em sua manifestação exterior. Tudo o que fazemos de bom pelas outras pessoas refere-se à estas obras misericordiosas: o perdão às ofensas, a prestação de auxílio àqueles que sofrem, o consolo aos aflitos, um bom conselho, a oração pelos próximos, e várias outras atitudes. Não se pode julgar somente pelos indícios externos qual boa obra tem maior valor aos olhos de Deus. As boas obras não são avaliadas por indícios quantitativos, e sim por seu conteúdo espiritual, pela profundidade do amor e da força de vontade com as quais são realizadas pelo homem. A primeira e mais importante obra de misericórdia, mas longe de ser a mais fácil, vem a ser o perdão às ofensas. Jesus ensina-nos a perdoar os próximos na seguinte parábola.

 

a) Parábola do Perdão às Ofensas.

 

Parábola do Credor Incompassivo.

Esta parábola foi contada pelo Salvador em resposta à uma pergunta de Pedro, sobre quantas vezes se deve perdoar a um irmão. O Apóstolo Pedro pensava que seria suficiente perdoar por até sete vezes. Em resposta a isto Jesus disse que deve-se perdoar até "setenta vezes sete vezes," ou seja, deve-se perdoar sempre, infinitamente. Para elucidar esta questão, Cristo contou a seguinte parábola:

 

"O reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos. E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que devia dez mil talentos. E, não tendo ele com que pagar, o senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse. Então, aquele servo, prostrando-se o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos , que lhe devia cem dinheiros, e lançando mão dele sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis, antes foi encerra-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo pois os seus conservos, o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu igualmente ter compaixão do teu companheiro, como eu tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas" (Mt. 18:23-35).

 

Nesta parábola Deus é condicionalmente comparado ao rei, ao qual seus servos deviam conhecidas somas em dinheiro. O ser humano é um eterno devedor diante de Deus, não somente devido aos seus pecados, mas também pela ausência de boas obras, as quais poderia ter feito, mas não as fizera. Estas obras de amor não realizadas também são dívidas do homem. Assim, na oração pedimos: "perdoai nossas dívidas (ofensas)," e não somente nossos pecados! Ao final de nossa vida, quando deveremos prestar contas da nossa vida diante de Deus, verificaremos que todos somos eternos devedores. A parábola do credor incompassivo diz que podemos contar com a misericórdia de Deus somente com a condição de termos perdoado de todo o coração a quem nos tem ofendido. Portanto, devemos nos lembrar diariamente: Perdoai as nossas ofensas (dívidas) assim como perdoamos a quem nos tem ofendido."

De acordo com esta parábola, as ofensas dos próximos, se comparadas à nossa dívida perante Deus, são tão insignificantes quanto algumas moedas comparadas a um capital milionário. Devemos ressaltar que o sentimento de estar ofendido é muito individual. Possivelmente, uma pessoa praticamente não dará importância à certa palavra ou ato imprudente, enquanto uma outra pessoa, com a mesma palavra ou ato, poderá sofrer por toda as vida. Do ponto de vista espiritual, o sentimento de ofensa é gerado a partir do amor próprio ferido e do orgulho dissimulado. Quanto mais a pessoa tiver amor próprio e for orgulhosa, maior será seu grau de ressentimento. O sentimento de ofensa, se não for imediatamente combatido, pode, com o tempo, passar ao rancor. O rancor, segundo as palavras de São João Lestvichnik, é "a ferrugem da alma, o verme da razão, a infâmia da oração, a alienação do amor ... um pecado incessante." É difícil lutar contra o espírito rancoroso. "A lembrança dos sofrimentos de Cristo" — escreve São João Lestvichnik, — "cura o rancor, fortemente infamado por Sua bondade. Quando, após algum feito, sentires dificuldade em extrair os espinhos, reconheça e reprima-se em suas palavras diante daquele que tens rancor, para envergonhar-te da prolongada hipocrisia, tornando-se capaz de amá-lo absolutamente."

É muito importante pois, a oração para aqueles que nos tem ofendido, ajuda-nos a superar os sentimentos ruins que temos para com eles. Se pudéssemos ver a enorme quantidade de dívidas, das quais deveremos prestar contas a Deus, tentaríamos perdoar com alegria e rapidez a todos os nossos inimigos, até os mais sanguinários, para com isso obter a misericórdia de Deus. Infelizmente, esta consciência da pecaminosidade e da culpa diante de Deus não chega a nós por si mesma, mas exige uma prova rígida e contínua da consciência à luz do ensinamento evangélico. Aquele que se obriga a perdoar o próximo, como recompensa a este esforço, recebe o dom do autêntico amor cristão, que era chamado de rainha das virtudes por nossos santos pais. As parábolas sobre as obras de amor são apresentadas no capítulo a seguir.

 

 b) Parábolas das Boas Obras. 

 

Parábola do Bom Samaritano.

Esta parábola foi contada por Cristo em resposta à pergunta de um legislador hebreu, sobre "quem é o nosso próximo?" O legislador conhecia os mandamentos do Antigo Testamento, que mandava amar o próximo. Mas, como o mesmo não cumpria este mandamento, queria justificar-se por não conhecer quem deveria ser considerado seu próximo. Em resposta à sua indagação, Cristo contou uma parábola, mostrando através do exemplo do bom samaritano, que não se deve preocupar em diferenciar as pessoas próximas das pessoas estranhas, e sim obrigar-se a ser próximo daqueles que necessitam de ajuda.

 

"Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. E, d’ igual modo também um levita, chegando aquele lugar, e vendo-o, passou de largo. Mas, um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira" (Lc. 10:30-37).

 

Temendo prestar auxílio a um integrante de outra tribo, o sacerdote hebreu e o levita passaram por seu compatriota que caíra em desgraça. Já o samaritano, sem pensar quem estava lá deitado — se era um dos seus ou uma pessoa estranha, socorreu o infeliz, salvando-lhe a vida. A bondade do samaritano manifestou-se também pelo fato do mesmo não se limitar em prestar os primeiros socorros, mas tentar garantir o destino do pobre infeliz, tomando para si as despesas e as preocupações no que dizia respeito à sua recuperação.

Com o exemplo do bom samaritano, Cristo ensina-nos como devemos amar o nosso próximo através de obras, sem limitarmo-nos a desejar bons votos e expressar simpatia. Aquele que simplesmente permanece em casa, fantasiando enormes auxílios filantrópicos, não ama seu próximo de maneira autêntica, e sim aquele que não poupa seu tempo, suas forças e recursos para ajudar as pessoas por meio de obras de caridade. Para ajudar o próximo não é necessário compor todo um programa de ajuda humanitária: grandes planos nem sempre se concretizam. A própria vida dá-nos a oportunidade de manifestar diariamente o nosso amor ao próximo, em atitudes como: visitar uma pessoa doente, consolar alguém que esteja triste, ajudar uma pessoa incapacitada a ir no médico ou a fazer alguma tarefa burocrática, doar dinheiro para os pobres, atuar em alguma obra beneficente, dar um bom conselho, evitar discussões, etc. Várias destas tarefas parecem insignificantes, mas durante a vida elas se acumulam, perfazendo um depósito espiritual. As boas obras são uma espécie de reserva regular de pequenas somas para uma poupança. Conforme nos diz Jesus, no céu elas são um tesouro que não pode ser devorado por traças, nem roubado por ladrões.

Deus, com Sua onisciência permite que os homens vivam em variadas condições materiais: alguns — em grande abundância, e outros — em necessidade e até passando fome. Não é raro o homem adquirir sua condição material com trabalho árduo, persistência e capacidade. Entretanto, não se pode negar que, muitas vezes, a posição social e material do indivíduo também pode ser determinada por fatores benéficos externos, independentes à ele. Contrariamente, em condições desfavoráveis, até a pessoa mais capaz e trabalhadora pode ser condenada a viver na pobreza, ao passo que um preguiçoso incapaz poderá deliciar-se com as dádivas da vida, pois o destino lhe fora generoso. Esta situação pode parecer deveras injusta, mas só se analisarmos nossa vida exclusivamente em termos da existência terrena. Podemos chegar à uma conclusão totalmente diferente se observarmos isto na perspectiva de nossa vida futura.

Nas duas parábolas, a do Mordomo Infiel e do Rico e Lázaro — Jesus Cristo desvenda o mistério da "injustiça" material permitida por Deus. Nestas duas parábolas podemos observar a sapiência com que Deus transforma esta aparente injustiça material em um meio para a salvação das pessoas: dos ricos — através das obras de misericórdia, e dos pobres e aflitos — através da paciência. À luz destas duas parábolas também podemos compreender a insignificância tanto dos sofrimentos terrenos como das riquezas terrenas, quando comparados à eterna bem-aventurança ou à eterna tormenta.


Parábola do Mordomo Infiel.

Esta parábola mostra um exemplo de filantropia conseqüente e planejada. Com a leitura inicial desta parábola temos a impressão de que o senhor elogiou o mordomo por seu ato desonesto. Entretanto, Cristo contou-nos esta parábola com o objetivo de obrigar-nos a analisar o seu sentido mais profundo. Encontrando-se numa situação desesperadora e irreparável, o mordomo manifestou uma genial inventividade ao adquirir protetores, garantindo assim seu futuro.

 

"Havia um certo homem rico, o qual tinha um mordomo; e este foi acusado perante ele de dissipar os seus bens. E ele, chamando-o, disse-lhe: Que é isto que ouço de ti? Dá contas da tua mordomia, porque já não poderás mais ser meu mordomo. E o mordomo disse consigo: Que farei, pois o meu senhor me tira a mordomia? Cavar, não posso; de mendigar, tenho vergonha. Eu sei o que hei de fazer, para que, quando for desapossado da mordomia, me recebam em suas casas. E, chamando a si cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? E ele respondeu: Cem medidas de azeite. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e, assentando-te já, escreve cinqüenta. Disse depois a outro: E tu quanto deves? E ele respondeu: Cem alqueires de trigo. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e, escreve oitenta. E louvou aquele senhor o injusto mordomo por haver procedido prudentemente, porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos" (Lc 16:1-9).

 

Nesta parábola, o rico senhor representa Deus, já o mordomo "esbanjador de riquezas" seria o homem, que gasta despreocupadamente as riquezas obtidas de Deus. Muitas pessoas, analogamente ao mordomo infiel, desperdiçam irresponsavelmente as riquezas divinas como a saúde, o tempo e os dotes naturais, em coisas fúteis e até pecaminosas. Mas, em algum momento, todos deveremos prestar contas diante de Deus pelos bens materiais e pelas oportunidades a nós confiadas, assim como o mordomo teve que prestar contas diante de seu senhor. O mordomo infiel, sabendo que seria demitido da mordomia, cuidou antecipadamente de seu futuro. Sua engenhosidade e capacidade de garantir o seu futuro vem a ser um exemplo digno de ser imitado.

Quando a pessoa submete-se ao julgamento Divino, percebe que não é a avidez pelos bens materiais, mas somente as boas obras por ela realizadas que tem real importância. Os bens materiais, segundo a parábola são uma "riqueza iníqua" , pois o homem, ao acostumar-se a eles, torna-se ganancioso e insensível. A riqueza freqüentemente torna-se um ídolo, ao qual o homem serve com devoção. O homem freqüentemente confia mais na riqueza do que em Deus. Eis o motivo de Cristo ter chamado a riqueza terrena de "mentira de Mammon." Mammon era uma divindade síria antiga, protetora das riquezas.

Agora, pensemos em nossa relação aos bens materiais. Consideramos muitas coisas como sendo de nossa propriedade, utilizando-as somente para nosso capricho e comodidade. No entanto, todos os bens materiais de fato pertencem a Deus. Ele é dono e Senhor de tudo, e nós somos seus encarregados temporais, ou conforme a parábola, "mordomos." Portanto, repartir os bens de outros, ou seja, os bens de Deus, com os necessitados não vem a ser uma infração à lei, como no caso do mordomo evangélico, mas, pelo contrário, é a nossa evidente obrigação. Dentro deste enfoque, devemos compreender a moral da parábola: "Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos," ou seja, nos necessitados que hoje ajudamos, encontraremos na vida futura, protetores e defensores.

Na parábola do mordomo infiel, Deus ensina-nos a manifestar a engenhosidade, o espírito inventivo e a constância nas obras misericordiosas. Mas, como Deus ressaltou nesta parábola, "os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz," ou seja, freqüentemente falta capacidade e perspicácia nas pessoas religiosas, que muitas vezes são manifestadas por pessoas não religiosas na estruturação de seus trabalhos cotidianos.

Como exemplo do uso insensato dos bens materiais, Cristo contou-nos a parábola abaixo.

 

Parábola do Rico e Lázaro.

Aqui, pela providência Divina, o rico foi colocado em condições favoráveis para poder ajudar, sem dificuldade nem engenho, à um mendigo, deitado ao portão de sua casa. Mas, o rico mostrou-se totalmente surdo frente ao seu sofrimento. Ele somente se interessava por festas e cuidados consigo mesmo.

 

"Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado; E além disso está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá. E disse ele: Rogo-te pois, ó pai, que o mandes a casa de meu pai. Pois tenho cinco irmãos; para que eles dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Tem Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite" (Lc. 16:19-31).

 

A sorte de Lázaro na vida futura tem sido um conforto para todos os mendigos e os sofredores. Não tendo forças para ajudar os outros ou para praticar alguma boa ação devido à sua pobreza e doença, obteve de Deus a bem-aventurança do paraíso pelo seu paciente penar e sofrer. A menção de Abraão mostra-nos que o rico não fora condenado por sua riqueza, já que Abraão também era uma pessoa muito rica, mas que, contrariamente ao rico desta parábola, distinguia-se pela compaixão e amor ao próximo.

Alguns perguntam: não seria injusto e cruel condenar o rico ao sofrimento eterno, já que seus prazeres físicos foram somente temporários? Para encontrar a resposta à esta pergunta deve-se compreender que a felicidade ou sofrimento futuros não podem ser analisados somente em termos de paraíso ou inferno. Em primeiro lugar, céu e inferno são condições espirituais! Se o Reino de Deus, de acordo com as palavras de Deus, "encontra-se dentro de nós," então o inferno inicia-se na alma do pecador. Quando a pessoa tem a bem-aventurança de Deus, o paraíso estará dentro de sua alma. Quando as tentações e tormentas da consciência perseguem o indivíduo, ele sofre tanto quanto os pecadores que se encontram no inferno. Recordemos o sofrimento da consciência do cavaleiro, no conhecido poema de Puchkin, "O Cavaleiro Avarento": "A consciência é uma fera com garras que dilacera o coração; a consciência é um hóspede desagradável, um interlocutor enfadonho, um credor grosseiro!" O sofrimento dos pecadores será especialmente insuportável na vida futura, pois não haverá possibilidade de satisfazer suas paixões, nem de aliviar a carga da consciência através do arrependimento. Portanto, o sofrimento dos pecadores será eterno.

Na parábola do Rico e Lázaro descortina-se o além, e dá-se a possibilidade de compreender a existência terrena na perspectiva da eternidade. À luz desta parábola percebemos que os prazeres terrenos não vem a ser tanto uma questão de sorte, e sim uma prova de nossa vontade de amar e ajudar ao próximo. "Se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?" — disse Jesus ao concluir a parábola anterior. Ou seja, se não soubemos dispor corretamente da atual riqueza aparente, somos indignos de obter a verdadeira riqueza de Deus, que nos era destinada na vida futura. Portanto, vamos lembrar a nós mesmos que nossas riquezas terrenas pertencem, de fato, a Deus. Ele prova-nos com as mesmas.

 

c) Parábolas das Virtudes.

A seguinte parábola sobre o rico insensato, analogamente à parábola anterior do rico e Lázaro, novamente fala da nocividade do apego às riquezas terrenas. Mas, se as duas parábolas anteriores, do mordomo infiel e do rico irracional referiam-se basicamente às boas obras, à atividade prática do indivíduo, as parábolas a seguir tratarão basicamente do trabalho do indivíduo sobre si mesmo, sobre o desenvolvimento das boas qualidades espirituais.

 

Parábola do Rico Insensato.

 

"A herdade dum homem rico tinha produzido com abundância. E arrazoava ele entre si, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: derribarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; E direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come, bebe e folga. Mas, Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus" (Lc. 12:167-21).

Esta parábola foi contada como uma espécie de precaução para que o homem não acumule riquezas terrenas, já que "a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui," ou seja, a pessoa não terá mais anos de vida nem tampouco mais saúde pelo simples fato de ser rica. A morte é especialmente amedrontadora para aqueles que jamais pensaram nem se prepararam para a mesma: "Louco, esta noite pedirão a tua alma." As palavras "enriquecer para com Deus" enfatizam as riquezas espirituais. Esta riqueza é abordada em maiores detalhes na parábola dos talentos e das minas.


Parábola dos Talentos.

Nos tempos da vida terrena de Cristo, o talento significava grandes somas em dinheiro, correspondente a sessenta minas. Uma mina correspondia a cem dinares. Um trabalhador comum ganhava um dinare ao dia. Na parábola, a palavra talento corresponde ao conjunto de todos os bens dados ao homem por Deus, tanto os materiais como os espirituais. Os talentos materiais — vem a ser a riqueza, as boas condições de vida, um bom status social, e uma boa saúde. Os talentos espirituais — vem a ser a mente iluminada, uma boa memória, as diversas habilidades no campo das artes e serviços afins, o dom da oratória, a valentia, a sensibilidade, a compaixão e várias outras qualidades que nos foram conferidas pelo Criador. Além disso, para que possamos praticar o bem de maneira bem sucedida, Deus dota-nos de vários dons bem-aventurados — os "talentos" espirituais. Sobre eles, escreve-nos o Apóstolo Paulo em sua primeiras epístola aos Coríntios: "Há diversidade de dons, mas o espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do espírito é dada a cada um, para o que for útil. Porque a um pelo espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo espírito, a palavra da ciência. E a outro, pelo mesmo espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo espírito, os dons de curar. E a outro, a operação de maravilhas: e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro, a variedade de línguas; e a outro, a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas as coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (I Aos Coríntios 12:4-11).

 

"Porque isto é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos, e entregou-lhes os seus bens. E a um deu cinco talentos, e a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe. E, tendo ele partido, o que recebera cinco talentos negociou com eles, e granjeou outros cinco talentos. Da mesma sorte, o que recebera dois, granjeou também outros dois. Mas, o que recebera um, foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. E muito tempo depois veio o senhor daqueles servos, e fez contas com eles.

Então, aproximou-se o que recebera cinco talentos, e trouxe-lhe outros cinco talentos, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos, eis aqui outros cinco talentos que granjeei com eles. E o seu senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. E, chegando também o que tinha recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; eis que com eles granjeei outros dois talentos. Disse-lhe o seu senhor: Bem está, bom e fiel servo. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.

Mas, chegando também o que recebera um talento disse: Senhor, eu conhecia-te, que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. E, atemorizado, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. Respondendo, porém, o seu senhor disse-lhe: Mau e negligente servo; sabes que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei. Devias então ter dado o meu dinheiro aos banqueiros, e quando eu viesse, receberia o meu com os juros. Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez talentos. Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe´´a tirado. Lançai pois o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes."

 

Segundo esta parábola, deve-se concluir que Deus não exige das pessoas, obras que superem as suas forças ou habilidades. Entretanto, os talentos que lhe forem dados impõe uma certa responsabilidade. A pessoa deve "multiplica-los" em prol da igreja, do próximo e, uma coisa que é muito importante, deve desenvolver em si as boas qualidades. De fato, existe uma forte relação entre as ações externas e o estado da alma. Quanto mais a pessoa praticar o bem, maior será seu enriquecimento espiritual, tornando-se um virtuoso. O externo e o interno são inseparáveis.

A parábola das minas é muito semelhante à dos talentos, portanto aqui a mesma é omitida. Em ambas as parábolas, as pessoas orgulhosas e preguiçosas, no que se refere à prática do bem, são representadas em forma de um servo astuto, que enterra os bens de seu senhor. O servo astuto não deveria repreender seu senhor quanto à sua crueldade, já que o senhor lhe exigira menos do que aos outros. A frase "devias ter dado o meu dinheiro aos banqueiros" deve ser compreendida como uma indicação de que, na falta de iniciativa e capacidade própria de fazer o bem, a pessoa deve, pelo menos, tentar ajudar outras pessoas a faze-lo. De qualquer maneira, não existe pessoa totalmente incapacitada. Cada um pode crer em Deus, rezar por si e pelos outros. A oração é uma obra santa e benéfica, e uma única oração pode substituir várias boas obras.

"Porque a qualquer um que tiver será dado, e terá em abundância; mas, ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado." Aqui trata-se basicamente da recompensa na vida futura: aquele que enriquecer espiritualmente nesta vida, na outra enriquecerá ainda mais, e, contrariamente, o preguiçoso perderá até o pouco que tinha anteriormente. Em grande parte, a legitimidade desta citação pode ser confirmada no dia-a-dia. As pessoas que não desenvolvem suas capacidades, pouco a pouco as desperdiçam. Assim, numa inércia vegetativa, a mente da pessoa torna-se embotada, atrofia-se a vontade, amortecem-se os sentimentos e todo o seu corpo e alma entram num estado de relaxamento. A pessoa torna-se inapta a qualquer atividade, para ficar vegetando, tal qual uma erva.

Se analisarmos o sentido profundo das parábolas aqui apresentadas, do rico insensato e a dos talentos, tomamos consciência do grande dano que praticamos contra si mesmos ao desperdiçarmos o tempo e as forças a nós concebidas por Deus em atribulações cotidianas inúteis. Com isso roubamos a nós mesmos. Portanto, devemos nos condicionar de maneira a praticar o bem a cada minuto de nossa vida, a direcionar nossos pensamentos e vontades à glória de Deus. Servir a Deus não é uma necessidade, e sim uma grande honra!

As parábolas a seguir tratam de duas virtudes, tendo um significado especial para a vida humana.

 

d) Parábolas Sobre a Sensatez e a Oração.

Para se ter êxito na prática das boas ações, somente a devoção mostra-se insuficiente, havendo a necessidade de orientar-se com sensatez. A sensatez dá-nos a possibilidade de concentrar nossa energia sobre aquelas obras que mais correspondem à nossas forças e habilidades. A sensatez também ajuda-nos a escolher as atitudes que levar-nos-ão aos melhores resultados. Na literatura sacra, a sensatez também é chamada de bom senso, ou o dom do bom senso. A sabedoria vem a ser o grau máximo da sensatez, reunindo o conhecimento, a experiência e a compreensão da realidade espiritual dos fenômenos.

Na falta de bom senso, até as atitudes e palavras bem intencionadas podem levar à más conseqüências. Sobre este assunto, escreve S. Antônio, o Grande: "Muitos benfeitores são magníficos, mas, às vezes, devido à inabilidade ou ao excesso de entusiasmo, pode ocorrer um dano... O bom senso é um benfeitor que ensina e orienta o homem a seguir o caminho da retidão, sem se desviar pelas encruzilhadas. Se caminharmos pelo caminho da retidão, nunca seremos levados por nossos inimigos, nem à direita — à temperança extrema, nem à esquerda — à negligência, ao descuido e à preguiça. O bom senso é o olho da alma e o seu lampião... Com o bom senso, a pessoa revê as suas vontades, palavras e atitudes, afastando-se de todos que o distanciem de Deus."Jesus Cristo trata do bom senso em duas de suas parábolas.

 

Parábola do Edificador da Torre e do Rei, Pelejando a Guerra.

 

"Pois qual de vós querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: este homem começou a edificar e não pôde acabar."

"Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? De outra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condições de paz. Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo a quanto tem, não pode ser meu discípulo" (Lc. 14:28-33).

 

A primeira destas parábolas trata da necessidade de avaliar corretamente as suas forças e possibilidades antes de iniciar uma tarefa que deseja realizar. No tocante a este assunto, S. João Lestvichnik escreve: "Nossos inimigos (demônios) freqüentemente instigam-nos a realizar certas tarefas, que superam as nossas forças, para que, ao deixarmos de obter êxito, cairmos no desânimo, evitando até as tarefas que correspondem às nossas forças.." A segunda parábola apresentada trata do combate às dificuldades e riscos, que são inevitavelmente encontradas na realização de boas obras. Aqui, para se ter êxito, além do bom senso é necessária também a abnegação. Eis o motivo de ambas as parábolas estarem relacionadas no Evangelho pelo ensinamento de carregar a cruz: "Qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo" (Lc. 14:27).

Às vezes, as circunstâncias da vida podem ser extremamente complexas, dificultando o encontro de uma solução. Neste caso, devemos pedir inspiração a Deus, com fervor. "Indique-me o caminho pelo qual devo seguir... ensina-me a cumprir a Tua vontade, pois Tu és o meu Deus," — com este pedido, com freqüência o Rei David buscava a Deus e obtinha a inspiração.

Para fortalecer a nossa fé de que Deus nos ouve e realiza nossos pedidos, Jesus Cristo contou-nos as seguintes duas parábolas.

 

Parábola do Amigo Importuno a Rogar por Pão e do Juiz Iníquo.

"E disse-lhes também: Qual de vós terá um amigo, e, se for procura-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães. Pois que um amigo meu chegou à minha casa, vindo de caminho, e não tenho que apresentar-lhe. Se ele, respondendo de dentro, disser: Não me importunes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para tos dar. Digo-vos que, ainda que se não levante a dar-lhes, por ser seu amigo, levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação, e lhe dará tudo o que houver mister (Lc. 11:5-8).

 

"Havia numa cidade um certo juiz, que nem a Deus temia nem respeitava o homem. Havia também naquela mesma cidade uma certa viúva, e ia ter com ele dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. E por algum tempo não quis; mas depois disse consigo: Ainda que não temo a Deus, nem respeito os homens, todavia, como esta viúva me molesta, hei de fazer-lhe justiça, para que enfim não volte, e me importune muito. E disse o Senhor: Ouvi o que diz o injusto juiz. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles? Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na Terra?" (Lc. 18:2-8).

 

A grande evidência destas parábolas sobre o poder da oração sustenta-se em que, se uma pessoa ajudou o seu amigo a procurá-lo à meia-noite com um assunto de pouca importância e bastante importuno, quanto mais Deus iria nos ajudar. Analogamente, o juiz, mesmo não temendo a Deus e não envergonhando-se das pessoas, por fim resolveu ajudar a viúva para que esta parasse de molesta-lo. Quanto mais Deus, infinitamente misericordioso e onipotente ajudará a seus filhos que a Ele confiam. O principal em uma oração é a constância e a paciência, no entanto, quando algo é indispensável, o pedido é prontamente atendido por Deus.

Segundo S.João Lestvichnik, "todos que desejam conhecer a vontade de Deus devem, preliminarmente, amortecer sua própria vontade. Alguns dos que experimentam a vontade de Deus, renunciaram ao seu intento de qualquer parcialidade a este ou aquele conselho de sua alma... e sua mente, despida de vontade própria, era ofertada a Deus com a oração fervorosa extensivamente aos dias predestinados. E atingiam o conhecimento de Sua vontade seja pelas profecias secretas da Mente incorpórea, seja pelo fato de um destes sonhos desaparecer totalmente na alma... Duvidar do juízo sem se decidir pela escolha de uma das duas opções, vem a ser indício de uma alma inculta" (Palavra 26ª).

Hoje, com o ritmo intenso da vida e com sua complexidade, quando diante de nossos olhos parecem ruir os princípios da moral e da fé, precisamos, mais do que nunca, da orientação de Deus e seu fortalecimento. Neste sentido, a oração nos traz grandes benefícios pelo fato de ser a chave para os infinitos tesouros dos bens divinos. Tudo que devemos fazer é aprender a usar esta chave!